sexta-feira, 28 de junho de 2013

Saudade

Dos que diziam ter saudade, ele seria dos poucos que dizia que não. A saudade nunca lhe pesara. Dera conta, talvez tarde, que deixara que a saudade repousasse em si. Nunca temera que ela acordasse e pensou que dormiria para sempre, acabando por acreditar que "para sempre" seria tempo suficiente. De repente, antes dela acordar, olhar para dentro de si e percebeu que não lhe via o fundo, embora lhe parecesse que a saudade nem fosse assim tão densa, parecia-lhe quase como água límpida a perder de vista. E à medida que a juventude se afastava dele a saudade ia acordando aos poucos. Sentando ao lume brando da paz de antigamente ainda era suportável, até que esse lume brando se foi apagando. A juventude fugia, o lume extinguia-se e a saudade emergia. Não se sabe se aguentou, ou se acabou por se entregar ao fim provocado pela saudade. O que se sabe é que à medida que a juventude lhe fugiu, ele correu atrás dela, não se sabe se ao fugir não acabou por enfrentar o que atrás não enfrentara. Enfim, não se sabe.

Coxo

Tornara-se coxo, sem que nada o conseguisse justificar. Todos os melhores médicos do mundo lhe tentaram diagnosticar o problema sem sucesso. Continuava a mancar, coitado, habituou-se aos insultos e às limitações. Mais tarde, quando o "amor forte" se tornou fraco voltou a caminhar, como antes, sem coxear. Era o amor afinal, que o fazia caminhar a olhar para trás, para o que devia ter sido feito e não foi. Parecia que parte do seu andar ficara preso lá atrás, no que devia ter sido e continuou só. Agora já não coxeia e também já não ama.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Quando o amor não chega

Ele tentava fazer sempre a coisa certa, de forma a nunca a magoar. Mas tentar não chegava e ambos sabiam que ele acabava por fazer sempre tudo errado. E tudo acabou entre eles porque o amor não chega para quem nunca acerta!! Depois sentaram-se, e pensaram se alguma vez teria sido amor. Alguém lhes havia dito que no amor não havia razão, ora assim sendo e acreditando que ele, de facto, fazia tudo errado, são obrigados a acreditar que nunca fora amor. Poderiam então fazer as pazes com o passado e seguir em frente, sem olhar para trás... No fim de contas, nunca se iriam arrepender de não viver um amor, que no fundo nunca existiu. Depois, a meio da viagem, quando sentiram voltar a amar outras pessoas aperceberam-se que o sentiram um pelo outro há-de ter sido muito mais que amor. Mas agora... Agora será tarde para ambos. Voltar não faz parte da viagem. Resta seguir em frente e continuar a acreditar que nunca perderam um amor, com a completa e absoluta noção de que perderem bem mais que isso.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Crime

Assassinou-o, sem qualquer tipo de misericórdia, sem medo de consequências e repercussões, matou-o. Ninguém sabia que tinha sido ele, aliás, pensando bem poucos sabiam da existência dele, do tal, do assassinado. Era difícil adivinhar se em algum dia alguém saberia da sua morte. Mas ele sabia-o, sabia o que havia feito. Poucos sabiam, mas ele tinha a noção de que muitas vezes o sorriso que esboçava, a alegria com que corria pela vida adiante como se tudo fizesse sentido, a força que estranhava ser só sua, ele sabia que o devia a quem tinha acabado de matar. Pode dizer-se que matou a causa da sua felicidade. Agora que o matara, percebera, tarde, que parte dele partira junto com o espírito morto do assassinado. parecia quase que o assassino suicidou uma parte de si. Mas não havia nada a fazer, era ele ou o outro... E diga-se que o outro, o assassinado, era especial, era sincero, emotivo, irracional às vezes, mas queria e adorava viver. Acabou por matar o amor, mas tal como já percebemos, não havia alternativa, era ele ou o sentimento. E o amor às vezes não chega. Anos passaram, pessoas também, o amor ninguém percebeu faltar, afinal foi um crime bem arquitectado, pensa ele, agora que olha para o amor morto com saudade. E sem se aperceber vai ter de cometer outro crime, num outro dia, por um mesmo motivo. Outro sentimento terá de morrer, porque mais uma vez a saudade destrói-o por dentro sem se ver por fora. O que ainda não percebeu é que ao matar a saudade pode dar vida ao amor. E acabará inocente de um crime que nunca o chegou a ser!

Deus

"Deus é um comediante que actua para uma plateia demasiado assustada para rir" Ou qualquer coisa do género!!

sábado, 22 de junho de 2013

Slogan 1

If nobody cares about you, dermacare! Ou em português... Se ninguém quer saber de ti, derma care!! 
E se isto fosse uma marca, estaca rico!

terça-feira, 18 de junho de 2013

Monstros

Corria depressa... Sabia que fugia, só não conseguia entender do quê. Horas passaram e ele nunca parou, não parou para olhar para trás sequer. O medo invadiu-o de tal forma que olhar para trás seria entregar-se de mãos atadas a esse medo inconsciente. À medida que ia correndo ia vendo pessoas que olhavam para ele assustadas e pensava que afinal fugia de nada e que a única coisa que as pessoas não compreendiam era porque corria. E aquela cara, aquela cara de pânico silencioso. Aquele não pedir ajuda. Aquele evitar olhar para qualquer objecto que reflectisse uma pequena imagem que fosse. Era o fugir dos olhos mais directos, com mais medo, medo de que os olhos trocassem a informação suficiente para ele perceber que fugia de nada, ou que fugia de tudo. Diz-se que os olhos comunicam, talvez ele temesse essa comunicação. Encontrava-se no limite das suas forças, fugira tanto e tão depressa que não conseguia dar mais um passo rápido. Seria então a altura de enfrentar o monstro que o perseguia, chegara a altura de desistir. Olhou para trás, nada o perseguia... Será que fugira durante tanto tempo de nada? Era hora de perceber onde se encontrava. Encontrava-se precisamente no sítio de onde sempre quisera fugir. E agora não conseguia sair dali. Porque acabara de esgotar todas as suas forças a fugir de nada. Só esperemos que isto não lhe volte a acontecer. Porque fugir de nada e sem noção da direcção há-de ser sempre pior que não enfrentar o monstro que afinal não nos persegue, fica só ali, sentado a ver a corrida sem sentido. A rir-se, talvez. (Não sei se os monstros que se riem são maus)

domingo, 16 de junho de 2013

Letting go


Longe de ser uma série normal... Muito perto de ser a mais genial de sempre.
Porque as histórias fantásticas não têm de ser bonitas e o viver feliz para sempre
já há muito se perdeu... E porque as tempestades perfeitas podem até desviar-nos,
mas não nos deixam perder o sentido. Esperemos nós...
"The hardest part of moving on is... Letting go..."

sábado, 15 de junho de 2013

Foi de repente

Percebi, assim, de repente, que ela cantava como eu queria escrever, pintava como eu gostaria de dançar. Não seria amor ainda, mas seria já algo pelo que se morreria um dia... Velhinho, esperava-se. Seria partir feliz, com a ideia de que se fez tudo, quando pouco se fazia, porque éramos um que caminhava em vários sentidos.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Distrais-te

Às vezes, no meio da confusão de grãozinhos de areia, acabamos por não reparar na tempestade de enormes pedras que se aproximam. E assim continuámos, distraídos...

terça-feira, 11 de junho de 2013

O sentido perdido ao início

Lá estava ela, seria amor à primeira vista... Caso o amor por ela já não tivesse tomado conta dele há muito. Ali, nas escadas de sempre, subia para casa. A casa que ele tão bem conhecia, afinal creceram juntos, não desde pequenos, mas desde quando cresceram mais. Habituaram-se à presença um do outro, como que o sol se habituou a desaparecer de quando em vez e a voltar sempre. No fundo eram isso, eram um ir e voltar sempre, um ir e voltar que mal dava a entender que não estavam. Hoje era diferente, os seus passos eram mais certos, mais confiantes, havia qualquer coisa no caminhar que lhe despertara o amor que sempre sentira e nunca havia percebido. Hoje sentia-o finalmente... Ao cimo das escadas, quase como que a justificar a forma como caminhava estava um sujeito, desconhecido para ele. Beijou-o no preciso momento em que ele ia gritar pelo nome dela. Ia dizer-lhe o que acabara de perceber, não foi a tempo, parecia sem sentido, agora. Virou-se sem dar conta que ela tinha ouvido o seu grito quase silencioso. Ela ao olhar na sua direcção sentiu que também não beijava a pessoa certa, mas ao vê-lo voltado entendeu que não fazia sentido. E para não cair num ridículo que nunca fora seu, voltou a beijar o tal sujeito. Sabe-se que o amor se perdeu, sabe-se que nunca se viram e sabe-se que ela foi feliz até onde pôde, porque para ser mais teria de ser com ele, o das costas voltadas. Dele nada se soube, mas calcula-se que também não tenha sido tão feliz quanto devia. Ao fim de 30 ou 40 anos todas as histórias parecem ridículas, mas para ela foi naquele momento que trocou a felicidade pela vida. Pela vida que agora tinha.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Uma casinha pequena

Era uma casa, não era grande, era pequena... Do tamanho que dá para um se não forem dois... Acabava por não ser muito quente, mas não deixava entrar o frio. Dali não se via muito, dava para ver apenas a vida toda que estava para trás, quando se espreitava à janela e mais não se via que o muro da casa vizinha. A luz não era muita, mas pelo menos dava para descansar do sol. A chuva fazia-se cair no telhado e muitas vezes estava bom tempo. Era uma casa pequenina, mas tinha um pequeno terraço, por perto não havia mar, no entanto cheirava, a areia molhada pela água desse mar inexistente. Não tinha muita gente, pelo menos que tivesse chegado a entrar. No entanto passavam muitas pessoas, acabavam por cordialmente cumprimentar e seguir o seu caminho, para uma outra casa, maior talvez. Na cozinha não havia muito, havia o suficiente para alimentar uma alma "que muitas vezes se julgava perdida" e que só se voltava a encontrar ali. Na sala uma televisão, uma televisão onde passavam sempre os mesmos filmes, mesmo ao lado de um gira discos que tocava sempre as mesmas músicas. Na estante sempre os mesmos livros, gastos pelas mesmas palavras de sempre. No pequeno escritório tinha o trabalho de uma vida, arquivado aleatoriamente em gavetas fechadas que há muito perderam a chave. A simples ideia de que os projectos continuavam ali acabavam por me deixar descansado. Era bem melhor que os ter perdido em alguma mudança. Nas paredes podia ver-se fotografias, nem tantas de família, como é costume nas casas pequenas, eram mais de momentos, momentos guardados para sempre. Podiam encontrar-se pequenas histórias escritas nas paredes, histórias pequenas que se podiam perder. Histórias bonitas, que se não podiam perder. De volta ao terraço, mais pessoas que passavam e tentavam espreitar por cima do muro e perceber o porquê de uma casa tão pequenina ter um muro tão alto. Era uma casinha pequena, na rua da Memória... Veio a perceber-se mais tarde, bem mais tarde, que os muros não tinham o objectivo de impedir a entrada, mas sim de dificultar a saída.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Hospital psiquiátrico aconselha

Hospital psiquiátrico aconselha: "Mantenha-se o mais afastado daqui possível, seja louco lá fora!" Falta a parte do "correrá o risco de ser feliz, obrigado"!

Sem sentido

Nunca pretendi ser grande, nunca procurei a aceitação dos "maiores"... Nunca procurei ser melhor que ninguém. Nunca entendi essa luta diária que todos travam com todos em quem foi o mais, o melhor. No entanto, essa falta de pretensão levou-me a estar acima de muitas pessoas. Das pessoas que correm sem sentido, na direcção de ser mais e melhor, tornando-se apenas mais medíocre a cada passo mal calculado. A cada queda um levantar sozinho, sem apoio, um levantar sem sentido, mais um. E eu, do alto da minha não pretensão vejo-os cair, sem sentido. Não me dá vontade alguma de lhes deitar a mão, no fim de contas, só não têm apoio porque subiram apoiados na destruição dos que o rodeavam. E daqui, daqui de cima, para onde nunca caminhei, para onde me empurraram por não valer a pena destruir, rio-me da sua "desgraçada há muito adivinhada".

terça-feira, 4 de junho de 2013

Direcção

Às vezes... Ao fim de algum tempo, acabamos por perceber que não somos o rio, não escolhemos o caminho, embora em certas e dadas alturas o pareça. Acabamos por ser apenas a água que percorre o dito rio, já com destino, o que já ultrapassou os obstáculos. E ao perceber isso, não muito há a fazer a não ser continuar... Continuar pelo caminho que embora não conheçamos, sabemos onde vai dar. E resta-nos pouco mais que brincar com o caminho. E deixamos de querer ser o rio, deixamos de querer ter a responsabilidade da viagem, acabamos por desistir de lutar, porque de qualquer forma, o caminho será feitoà mesma, de uma ou outra forma.

Perfeição

Todos, em alguma parte da vida, construímos um ideal, um exemplo, um conceito de perfeição. Mas não estará esse conceito de perfeição destruído à altura da construção pela imperfeição do nosso pensamento? Não será que o nosso conceito, se construído, por exemplo, mais tarde, não seria mais "perfeito", mais próximo da realidade? Porque muitas das vezes esses conceitos são apoiados em ideais que se iriam perdendo, se não tivéssemos construído os conceitos. E hão-de ser esses conceitos que nos mantém fieis a nós. Fieis ao que sempre fomos, próximos daquilo que queríamos ser, agarrados àquilo que nunca quisemos deixar de ser.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Conheceram-se

Ali estava ele, no funeral dela, da sua mulher... Morrera ao fim de cinquenta e três anos de paixão. Era o dia mais triste da sua vida. O seu pensamento não conseguia fixar em parte alguma, viajava pelas memórias a uma velocidade estonteante. De repente, apesar de não estar perto dela, sentiu-lhe os últimos pensamentos, momentos antes de "partir", ela havia sido atropelada no caminho de sempre, o caminho que a levara todos os dias para casa, menos aquele. Vinha-lhe ao pensamento a última conversa. Falavam acerca do novo namorado da filha mais nova, que afinal, já não era tão nova e isso preocupava-os. De repente estava no casamento do filho, uma cerimónia muito formal e impetuosa, revia os pratos que não paravam de chegar, recorda-se dela a dizer que se "comia tudo naquele dia e mais tarde se passaria fome." Estava agora perante o nascimento do terceiro filho. Um parto com algumas complicações, o filho, o sempre mais sensato, nasceu umas semanas antes do previsto. Correra risco de vida, o que lhe trouxe essa tal sensatez, quase com certeza, pensaram sempre, os dois. Percorria agora os caminhos que levavam à Igreja lá da aldeia, onde a filha faria a 1ª comunhão. Dali deu consigo a desesperar por entre corredores de um hospital. Nascia ali o seu primeiro filho, recorda-se que chegou tarde. Está agora no altar, à espera da mulher, que viria a ser da sua vida, sabia-o só agora. O primeiro beijo, o consumar de uma paixão, o ir de de encontro ao proibido, o perderem-se por entre braços. Ali estava ela, via-a pela primeira vez, parecia um anjo perdido numa multidão de gente igual. Era diferente, brilhava, será o destino a apontar-lhe o amor, "olá" arriscou ele.

Viveu novamente e ela viveu com ele e agora sabe-se que viverá sempre. Enquanto o amor mantiver a chama da primeira vez, ela vive e vive feliz. O que ficou por aqui esquecido é que este pensamento foi bem mais que um momento, foi um resto de uma vida, anos e anos. Enquanto respirar lhe foi possível, voltou a nascer... Várias vezes, neste exercício de andar para trás e para a frente sem haver o risco de se perder no caminho, no caminho que sempre o levou até ela. Acabou por se tornar refém, acabou por ser um preso, um preso à sua memória, estava preso dentro de si, como sempre havia estado, se pensarmos bem. Preso à felicidade, para todo o sempre, até acabar.

Era uma vez... Um menino muito pequenino, sentado à janela do seu quarto. Dali via um pequeno riacho, umas escadas, daquelas que já não há, ...