sábado, 2 de março de 2013

O frio... Cá dentro

O frio faz-se sentir lá fora, onde tantas e tantas vezes nos sentámos juntos a
contemplar o nada, que ainda mal adivinhávamos ser nosso um dia, nessas
noites, mal sabíamos ainda que um dia nos pareceriam perdidas, desperdiçadas,
e é nesse frio que te sinto, o vazio por ti deixado faz com que este espaço
pequeno se torne cheio de frio, cheio de nada, as tuas gargalhadas espontâneas
já se não fazem ecoar pelo prédio, o barulho do mar, que um dia nos parecera
harmonioso, não passa disso mesmo hoje, de barulho, um barulho que por
muito que não queira vai acabando por se tornar irritante. O frio, esse entra-me
na alma a cada travo de um cigarro fumado na esperança de te ouvir apenas a
praguejar este maldito vício que no fim, acaba por ser o pouco presente de ti
aqui, nesta noite fria. Ao longe os mesmos barcos que rumam sem destino, com
a esperança de que a manhã os traga ao mesmo sítio, os mesmos barcos que
observámos, perdidos num horizonte que julgávamos ser nosso, num destino
sem rumo, que, esperávamos nós trazer-nos sempre até nós, tal como os
barcos que se afastam, sem medo, sem destino e que como tantas e tantas
vezes confirmamos, acabam por voltar. Parece que o destino dos barcos que
se perdem ao longe é mais certo, não é assim tão imprevisível como julgávamos
quando eram abanados por uma onda maior... Esses, esses resistem a tempestades,
a infortúnios, a uma noite de pesca infrutífera. Esses, ao contrário de nós, voltam
ao porto seguro, de onde nunca queriam sair, sentiam-se seguros, tal como
nós nos sentíamos aqui sentados. Eles voltam, encontram o caminho de regresso,
nós, nós descobrimos todos os caminhos para longe de nós. Sempre seguros.
Os miudos continuam lá em baixo, a fazer o mesmo barulho de sempre, mas
hoje ate não incomodam tanto, afinal não silenciam a tua vós doce, serena,
que lá me ia embalando entre um ou outro trago de uma garrafa perdida num
frigorífico ainda mais frio que o vazio que me fazes sentir, nesta varanda
virada para o horizonte, para o futuro incerto, com a certeza de que nada
voltará a ser o que foi, com a certeza de que um dia não vão haver mais
garrafas perdidas, com a certeza de que os miudos um dia crescem e não
vão fazer barulho lá em baixo, com a certeza de que um dia um barco não
volta ao seu porto seguro, com a certeza de que um dia a varanda voltará
a ser quente, mas sem ti, será um calor que pouco mais será que o frio de hoje.

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