Hoje sentamos aqui, bebemos ali, aproveitamos tudo o que há para aproveitar ali, rimo-nos aqui, em casa, rimo-nos ali, com aqueles que gostamos, que são de casa... Hoje vemos um filme, hoje ouvimos uma música, hoje brincamos, hoje corremos, hoje jogamos, hoje bebemos até ser amanhã, hoje vivemos, hoje aproveitamos, hoje... Agora... Amanhã, amanhã seguimos com a vida para a frente, amanhã traçamos planos, amanhã poupamos, amanhã é outro dia, amanhã recompensamos, amanhã corrigimos, amanhã vamos levar as coisas a sério, amanhã abraçamos o futuro, amanhã lutaremos pelo melhor futuro, amanhã pensamos... Hoje, hoje podemos aproveitar só, hoje podemos viver sem culpa, hoje podemos correr sem objectivos, hoje podemos beijar o nascer do sol, podemos beber da fresca aurora que se avizinha, hoje podemos adormecer com a manhã e a acordar embalados pela doce confusão que se faz lá fora, pelas pessoas que vivem amanhã. Hoje podemos ficar aqui só, quietos, abraçados, hoje podemos ficar aqui a contar histórias até adormecer, hoje e só hoje podemos viver o que nunca será amanhã. Amanhã, amanhã voltamos à vida, amanhã voltamos à rotineira e confortável monotonia, amanhã seremos o que nunca seriamos hoje, amanhã... Os que vivem hoje vivem intensamente, aproveitam cada momento como se fosse o último. Os que vivem amanhã aproveitam uma vida inteira. Talvez. Mas há momentos, breves... Muito breves, podem durar segundos. Mas são uma vida inteira. E viver, viver é hoje, porque morrer é sempre depois. E enquanto o sol te brilhar na cara, enquanto o vento te soprar ao ouvido, enquanto a água te corre fria pelos pés, enquanto a vida te acorda todos os dias, enquanto sentes a Primavera, enquanto sentes a areia quente debaixo de ti, enquanto tudo isso acontece, tu vives, vives como não viverás amanhã, porque amanhã já não é o mesmo sol, não é a mesma água, não é a mesma Primavera, não é a mesma areia... ontem foi amanhã e agora é apenas mais uma paragem passada na viagem, hoje é amanhã que depois serão menos uma quantas paragens. E à medida que se vai viajando percebe-se que o que nos prende à vida são momentos. É o agora! Ser feliz será algures aquele espaço que fica entre há bocado e daqui a bocado. E, se formos plenos, se formos inteiros em cada momento, se formos coerentes com a razão, seremos felizes ontem e o ontem é o que fica para amanhã.