segunda-feira, 6 de setembro de 2010

De uma mulher...

“Não me lembro da identidade da voz que um dia, me confessou junto ao ouvido: “As únicas viagens, são aquelas que fazemos de corpo parado, quando a velocidade da mente nos guia até aos recantos mais obscuros das nossas recordações. Aí, a viagem deixa de ser sonhada para ser vivida a dois corpos.”. Hoje na sombra que vela a minha verdadeira face, concebo fielmente a verdade contida em tal pensamento.
Quando viajamos ao sabor das marés que se desenham contra os cascos dos barcos, sentimos a erupção de um mundo que ergue tiranicamente a nossa volta. Ama-lo ou odiá-lo. Nenhum outro sentimento mediano pode ser despertado do âmago da virtude humana. Ver o mar é ver o mundo. Um novo mundo, de horizontes insondáveis para um espírito atento e questionador como o de Richard. Para mim, apenas um mundo velho e estreito demais para as vontades e desejos de qualquer mulher.
Ao anoitecer cercava-nos um céu estrelado, vulgar e imperceptível para a maioria das gentes, mas perturbador para os que vêem por detrás das estrelas vultos do passado que nos vigiam e sentenciam os nossos actos. Num misto de piedade misericordiosa e impetuosidade sanguinária, pequenos senhores num mar estrelado que nos guia até porto seguro ou até a perdição dos nossos sentidos mortais. Assim são os Antepassados.
Homens medem o céu com instrumentos demasiadamente bizarros para uma mulher presa a terra como eu, mas ao vê-los não pude deixar de intuir que não só mediam as distâncias entre os pontos longínquos da Terra como mediam a distância que separa os mortais da sua imortalidade. A sua silhueta marcada subtilmente pela bruma de um nevoeiro espesso, fazia-os personagens irreais presas a contos infantis em que a realidade e o imaginário se unem e fundem. Naquela magica hora em que as trevas e a luz se edificam, por detrás de uma nuvem graciosa de luminosidade, a cortina entre o passado e o futuro parecia entreabrir-se perante o meu olhar nostálgico.
Com ironia, meditaria, no fim dos meus dias, sobre aquelas noites, para redescobrir uma felicidade escondida nos raios de luz que as estrelas lançavam contra as marés feitas de prata por uma Lua cheia de si. Beijei o mundo na sua face mais bela, em gotas de água salgada e jurei lealdade as brumas que envolvem os homens. Fosse eu para sempre, a espectadora atenta das vidas que se desenrolaram a minha volta, só amando-as poderia admirar a visão final do propósito Humano. Richard no silêncio que nos tornou cúmplices, compactuava com o meu desejo e entre sorrisos prometemos unir esforços na demanda da nossa descoberta. Se outros haviam descoberto oceanos e novos continentes, nós descobriríamos a natureza selvagem presa em cada homem.
Foi aqui que tudo começou e tudo terminou. A Eternidade num momento. Este foi o momento.”

Catherine Valois

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