segunda-feira, 30 de março de 2015
Someday
Sinto-te ir, aos poucos, de um sítio que julguei que fosses querer para sempre. Quando chegaste, ainda sem ideia de se ficarias ou não, foste-te instalando em mim, como quem vai partir dali a nada. E o tempo, aquele que tanto nos ensinou que nos ensina tudo, foi-te fazendo ficar. Sem querer criaste em mim o teu jardim, criaste em mim o teu mundo. E eu, sem me aperceber, deixei-te ir ficando, até ser tarde demais para te deixar ir. Espalhaste em mim a magia que já há muito havia julgado perdida, mesmo em mim. Sei que há magia lá fora, mas não acreditava que ainda alguem me faria acreditar. E tu, chegaste e abriste janelas do meu coração para o teu, fizeste pontes do meu pensamento para o teu, abriste estradas entre o meu sentir e o teu. Foste espalhando em mim pedaços de ti, pedaços de nós. Em cada canto de mim existe um pouco de ti. Até nos sítios mais inacessíveis em mim há parte de ti já. A sonoridade do teu sorriso espalhou-se em mim e a alegria de te ver sorrir faz parte do meu sorrir, para sempre. Nunca haverei de sorrir sem que parte do meu sorriso tenho uma parte de ti. E agora vais, aos bocadinhos. Deixas tudo de ti para trás, em mim. Ou te esqueceste, ou não queres levar a tua parte de mim. Nem que quisesses, jamais conseguirias levar tudo, ficarias para sempre. Saíste, levaste apenas o sorriso que trazias no corpo, levaste apenas aquele, aquele último sorriso, deixaste ficar todos os momentos, sem lhes tocar sequer, deixaste-os no mesmo sítio. Como que se ao tocar no que já foi perfeito tudo se desmoronasse. Até o virar de costas foi perfeito, soube a "até já" e nunca mais voltaste. Tenho em mim tudo o que é teu e não tenciono arrumar num canto só. Fica bem em mim o mundo que construímos.
Um dia, se te lembrares de vir buscar o que é teu, leva-me a mim que vou cheio de ti.
sábado, 28 de março de 2015
Knowing nothing is the answer
E os momentos, do tempo que foi, tornam-se nos momentos que queria para sempre. Foram os momentos que ficarão para sempre, que nos fazem perder o norte e a razão, são os momentos que nos querem fazer ficar para sempre presos ao passado e nas noites mais frias e mais escuras e mais tenebrosas e mais angustiadas ou angustiantes que as outras, são essas memórias que nos voltam a fazer sorrir... E a fazer chorar de seguida, pelo que nunca foi, pelo que nunca teria sido, pelo que nunca será. E é o ser-se pequeno à beira da vida que nos faz querer desaparecer, que nos faz querer esquecer que um dia se foi feliz, é quase um querer ter sido miserável uma vida inteira. É quase um desejar que o que foi nunca tivesse sido. Mas... E se nunca tivesse sido? O que seria das noites sem dormir? Noites vazias de sentido, noites perdidas de razão, uma vida perdida de tudo encontrada em nada. Seria um nunca ter ganho. Ficam ao menos as memórias do que foi e a imaginação passeia-nos, como que se o que nunca poderia ter sido tivesse sido para sempre, até ao fim. Dizia ele, o que um dia julgara saber tudo e agora não sabia nada, que se não pode viver para perder. Coitado, ainda mal sabia que a vida nunca era a ganhar, mas sim a aprender a perder. E um dia, talvez um dia, se consiga levantar... E por entre a sombra esboçará um sorriso, talvez perto do fim da vida que, inocente, pensou ser eterna, o sorriso que o levará de volta ao passado que foi perfeito para sempre.
sexta-feira, 27 de março de 2015
Não é que o falso conceito de liberdade me prenda, mas...
"Segundo apurou o Instituto de Estatística
Contra ele nunca existiu qualquer queixa oficial,
E todos os relatórios sobre a sua conduta confirmam:
No moderno sentido de uma palavra velha, ele era um santo,
Pois em tudo o que fez serviu a Grande Comunidade.
Com excepção da Guerra e até ao dia da reforma,
Trabalhou numa fábrica e nunca foi despedido;
Sempre satisfez os seus patrões, Máquinas Fraude, Lt.dª.
Mas não era fura-greves nem tinha opiniões estranhas,
Pois o Sindicato informa que sempre pagou as quotas
(E o seu Sindicato tem a nossa confiança),
E o nosso pessoal de Psicologia Social descobriu
Que ele era popular entre os colegas e gostava de um copo.
A Imprensa não duvida de que comprava um jornal por dia
E que as reacções à publicidade eram cem por cento normais.
Apólices tiradas em seu nome provam que tinha todos os seguros,
E o Boletim de Saúde mostra que esteve uma vez no hospital e saiu curado.
Tanto o Gabinete de Estudo dos Produtores como o da Qualidade de Vida declaram
Que estava plenamente sensibilizado para as vantagens da Compra a Prestações
E tinha tudo o que é preciso ao Homem Moderno:
Um gira-discos, um rádio, um carro e um frigorífico.
Os nossos inquiridores da Opinião Pública alegram-se
Por ter as opiniões certas para a época do ano;
Quando havia paz, ele era pela paz, quando havia guerra, ele ia,
Era casado e aumentou com cinco filhos a população,
O que, diz o nosso Eugenista, era o número certo para um pai da sua geração,
E os nossos professores informam que nunca interferiu com a sua educação.
Era livre? Era feliz? A pergunta é absurda:
Se algo estivesse errado, com certeza teríamos sabido."
segunda-feira, 23 de março de 2015
"Deixei contigo o meu amor,
música de açúcar a meio da tarde,
um botão de vestido por apertar,
e o da vida por desapertar,
a flor que secou nas páginas de um livro,
tantas palavras por dizer
e a pressa de chegar,
com o azul do céu à saída.
por entre cafés fechados e um por abrir.
Mas trouxe comigo o teu amor,
os murmúrios que o dizem quando os lembro,
a surpresa de um brilho no olhar,
brinco perdido em secreto campo,
o remorso de partir ao chegar,
e tudo descobrir de cada vez,
mesmo que seja igual ao que vês
neste caminho por encontrar
em que só tu me consegues guiar.
Por isso tenho tudo o que preciso
mesmo que nada nos seja dado;
e basta-me lembrar o teu sorriso
para te sentir ao meu lado."
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