Lá fora sentia-se um vento, não se sabe se frio se quente, lá dentro o calor fazia-se cuspir por um daqueles aparelhos de aquecimento que se amontoam agora pelas divisões da casa. Talvez fosse frio... O vento. Lá dentro todos se sentiam protegidos, sem frio, aconchegados. A casa era grande e eles eram só dois. Cá fora, ao vento, estava aqueles que não tinham casa. Amontoavam-se cá fora à falta de dinheiro para um tecto. Mesmo a comida se fazia escassa por estes dias. Foram vítimas de um país que os arruinou. Os outros, os da casa grande e vazia de sentimento ignoravam os gritos mudos dos que tinham fome e não tinham força. Dali, aconchegados, riam, quase como que para aquecer a alma fria e oca. O calor podia aquecer-lhes os pés, mas nunca lhes aqueceria a alma. Há muito haviam deixado de sentir para serem felizes. Os outros, os que tinham fome cá fora ainda sentiam, ainda davam valor, ainda dividam o nada que tinham pelos muitos que eram.
Os da casa e os da rua julgavam-se sem esperança. Os da casa viviam só porque parecia mal morrerem porque quiseram, afinal tinham de manter a imagem de sempre. Os da rua imaginavam-se a morrer ali, ao frio, pelo menos ninguém lhes diria que estavam gordos (era uma piada que usavam, para ao menos morrerem com dignidade). Um dia, o calor que se fazia sentir vindo da lareira atirou-se aos cortinados queimou-lhes a casa, não os matou. Com a casa tudo o que tinham desapareceu e nenhum daqueles que um dia frequentaram a casa, nenhum daqueles a quem queriam mostrar a felicidade que não tinham, nenhum desses os ajudou. Ajudaram-nos sim os da rua. Não, não os mataram (isso seria ajudar demais), aceitaram-nos apenas na rua e deixaram-nos viver. Diz-se quem viu de perto que lhes deram um cantinho junto deles. E o que eles mais queriam era um cantinho longe do mundo. E por ali ficaram até perceberem que este nada que tinham era mais real do que tudo o que tiveram quando viviam na casa, quando viviam para os outros. E por momentos chegaram a amar-se, a amar-se como nunca se tinham amado antes. Aos poucos foram aceitando o olhar reprovador de todos os outros, não fosse a fome e talvez tivessem sido felizes...
Afinal não precisavam de tanto, só precisavam de uma ou outra refeição e um do outro... Agora era tarde para ser feliz... E tarde para ter fome.
Gosto sempre particularmente dos teus "fins"!
ResponderEliminarTêm um quê de estranho ;) Beijo *
ResponderEliminarAdorei o seu blog! E que escritora você é, esse texto ficou maravilhoso, parabéns.
ResponderEliminarVocê é de Portugal?
To te seguindo!
Tenha uma boa semana,
Beijos
Obrigado Camila... E não sou "escritora", sou no máximo "escritor" ;)
ResponderEliminarSim, sou de Portugal, obrigado por me seguires...
Beijos
pertinente e angustiante.
ResponderEliminar:(
E infelizmente, proliferam tanto uns, quantos os outros...
ResponderEliminarA sociedade está gravemente doente da alma...
Bjs
Nem todos, nós ainda nos vamos tentando salvar Benedita ;) Beijo *
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