domingo, 25 de março de 2012

A insustentavel leveza do ser

"Foi na Feira do Livro de uma pacata vila ribatejana que os meus olhos revisitaram A Insustentável Leveza do Ser, título paradoxalmente engendrado por Milan Kundera. Ali, tomei a resolução de arriscar galgar os tortuosos degraus da escada que me conduziria ao patamar da escrita arrevesada que (imaginava eu) compunha aquela obra. Equivoquei-me.


Aplaudida por uns, criticada por outros, A Insustentável Leveza do Ser flutua sensivelmente entre o romance filosófico e a mera narrativa amorosa, o retrato de uma época e o relato tipicamente ficcionado. Mas, acima de tudo, este é um livro que explora, de forma ímpar e realista, as vastidões desse misterioso território que é o amor.
Assim se apresenta a história: um cirurgião checo, divorciado, vive enovelado naquilo a que dá o nome de «amizades eróticas». Conhece Tereza, uma empregada de café, numa deslocação que, por mero acaso, tem que fazer à província. Apaixonam-se.
Mas esta não é uma paixão comum (e existirão paixões comuns?). É antes um enleio de sentimentos contraditórios, de dar sem saber o que pedir em troca, de infelicidades indefinidas, de vazios mentais cheios de nada, de uma estranha forma de amar traindo, de viver num limbo constante entre a felicidade desmesurada e o precipício.

E descolamos. Viajamos aos bastidores do romance, em que Kundera nos desarma e nos fala não como narrador, mas como escritor, não como Ser omnisciente, mas como construtor de uma realidade que tem muito de auto-biográfica.

Respiramos fundo. Num compasso marcado pelo peso da leveza introspectiva, cruzamo-nos com a cadela de nome inspirado no romance de Tolstoi, imaginamos Sabina, a tremenda pintora e irresistível amante de Tomáz, aguçamos a curiosidade de ler O Rei Édipo, espantamo-nos com sonhos que julgávamos reais e com realidades que não pensávamos tangíveis. Reflectimos sobre o acaso, a alma, a morte e o amor. O amor.

Terminamos. Percebemos um autor marcado pela mão pesada do comunismo soviético, um país (Checoslováquia) mergulhado numa profunda crise de identidade e, fundamentalmente, um povo fustigado pela – e com raiva da – ditadura imposta.

Fechamos o livro. Gostamos, ou não, de Milan Kundera e das suas asserções. Descobrimos que de complicado tem muito pouco, que escreve simples sobre coisas complexamente bonitas e que gosta de números, de dividir a sua obra de forma a (também) fazer dela um instrumento de análise para aquela ciência gira: a Numerologia."

Hugo Beja

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