domingo, 27 de abril de 2014

Talvez

Debruçara-se naquela que não foi a sua varanda de sempre. Descansava o corpo atirado contra o muro, todos os dias o mesmo atirar, todos os dias o mesmo corpo cansado. Longe já iam os dias em que se enconstava pelo prazer de um cigarro à leve brisa que lhe empurrava o sol pela face. Ao fundo todo um mundo, um mundo todo ele novo, que já há muito conhecia mas que todos os dias lhe provava ser sempre diferente, sempre novo. Não se sabe do cansaço, se de ter deixado de prestar atenção a tudo o que era novo no velho mundo de sempre os cigarros eram como que leves passageiros numa pesada brisa que já não conseguia empurrar o sol. Dali, da varanda que não foi sempre a mesma tudo lhe parecia igual. De corpo caído e sem força avistou nada. E como seria bom ser nada, passar de leve pela vida como se a vida fosse pouco. O bom que seria poder acordar todos os dias e esquecer ontem amanhã. Passar pelas pessoas, imune aos seus julgamentos, aos seus pensamentos pequenos, passar como passa tantas vezes a brisa que tudo com ela carrega e ninguém percebe. Talvez fosse o olhar que se já não prendesse com a mesma facilidade, talvez fosse a varanda que já lhe não chegasse. Não se sabe... Sabe-se só que, cansado, ainda não mudava a varanda, só mudava os cigarros por uma questão de efemeridade. Já há muito que não se lhe vê o corpo como que deitado na varanda e mesmo o vento se faz passar mais fugaz por aquele sítio que já recebeu tanta luz. Talvez tenha mudado de varanda e com ele tenha levado a luz que ali o encontrava. A paisagem, essa continua igual ao que sempre foi e lá ao longe tudo é diferente todos os dias, não se podia cansar, só podia estar cansado. Talvez tenha ganho força e tenha ido para onde o mundo não era igual ao que sempre fora. Talvez... E nunca se sabe o que traz cada varanda e nunca se sabe o que leva cada brisa.

3 comentários:

  1. "De corpo caído e sem força avistou nada. E como seria bom ser nada..."
    Por vezes damos por nós a pensar que há alturas em que seria bom sermos nada ou quase nada, isto é, naqueles momentos em que estar-se só é tudo o que importa, longe da confusão, longe de tudo o que nos atinge e preocupa, não ser uma variável nas equações das vidas de quem nos rodeia. Mas sabemos também que estar nessa situação significa estar desligado da vida, estar a viver como se não existíssemos verdadeiramente.

    Este texto lembrou-me de certa forma a escrita de José Luís Peixoto.

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  2. Sim, tem razão "fragmentos repartidos"... Obrigado pela pela visita.

    Obrigado Graça... Abraço

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