sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

O vento há-de ajudar

A vida dava-lhe tantas voltas que a dada altura deixou de perceber como poderia dar a volta à vida. E todas as noites encontrava uma solução e ao acordar a solução perdia-se, talvez no sono e consequente sonho absurdo tantas vezes, que parecia fazer ainda mais sentido que uma solução que nunca o seria. Perdido no caminho de sempre tentava dar a volta. Uma volta que nunca conseguiria dar depois de tantas voltas dadas. Queria voltar ao princípio e de repente percebia que depois de crescer se não pode voltar à caixinha pequena de sempre. Depois de crescer a vida ganhou um tamanho que temia não suportar sozino. Dali nem conseguia ver quem fora. Parece que foi sempre assim, não se apercebeu que a vida o mudara e o moldara ao que é hoje. Entre um e outro traço de sempre nao conseguia encontrar-se. Mais que perdido, não tinha para onde ir. Caminhava sem sentido e sem retorno. Só podia ir para a frente e para a frente assusta. Sentia-se como uma daquelas folha que cai, seca de uma qualquer árvore em Outono, ao sabor do vento que a guiava. Sentia que não poderia voltar à árvore, só lhe restava chegar ali, ao chão, ao seu inevitável destino. Sentia que o vento o poderia levar para qualquer lado, mas do chão nunca fugiria, a menos que uma daquelas pessoas que se apaixonam por coisas que passam invisíveis aos olhos de toda a gente o tentasse apanhar, mesmo que já tivesse caído ao chão. O chão não teria de ser o fim, bastava que alguém o visse, ali, caído, quieto, parado, ao sabor do que o leva. Folha sem esperança, ao sabor do vento, perdido da árvore que o viu crescer e lhe podia lembrar como foi, como foi sempre e como se tornou assim. Não podia voltar. Nunca mais. Deixou-se ficar ali mais do que o tempo julgava ser possível. Dizem que ficou ali até morrer e permaneceu. A ver as folhas caírem sem esperança numa dança descoordenada e sem sentido. E nunca nenhuma folha caía da mesma forma, em mil anos que se diz ter ali ficado, todas elas se deixavam ir à sua maneira para onde nunca saberiam. Eram só folhas. Era só uma estátua. E o vento fazia-se sentir, talvez fosse vento de mudança. Talvez fosse só inquietação. 

2 comentários:


  1. Na espiral das estações somos o que cada estação quer que sejamos...
    Bom texto!

    Beijinho

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  2. Sim, acabamos por nos deixar ir pelo que, de qualquer forma, nos levaria...
    Obrigado

    Beijinho *

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