sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Viajar

A noite chegara, finalmente. A vontade de chegar a casa, ao aconchego do seu lar, fazia-o acelerar o tempo, voou a pé até casa, literalmente (É este o poder dos que viajam na imaginação com bilhete para a realidade, é quase como que viajar em primeira classe com bilhete de segunda do dia anterior, é um risco) deitou-se no sofá, ligou a televisão, mudou de canal umas quantas vezes, pegou num livro, a televisão mostrara-se aborrecida, como de costume. Leu, até lhe parecer que as letras se afastavam das páginas e as palavras se faziam sentir presentes na sala, fora do livro... enquanto isso as personagens fixavam-no com um olhar reprovador. Sentia-o porque de facto lhes invadia a privacidade, por falta de vida própria percebera. Levantou-se subitamente, quase como que num movimento involuntário, talvez fosse fome, preparou qualquer coisa, mas sentia que os personagens o continuavam a fixar, com o mesmo olhar reprovador. A diferença é que agora já lhes não invadia a privacidade e as letras do livro jaziam agora mortas no chão. Teriam fome também? Alimentar-se-iam de palavras, agora caídas num chão sem sentido? Morreriam à fome? Poderia oferecer-lhe qualquer coisa, mas não se deve alimentar o que não existe, pensou ele com sentido. Mas aquela impressão de ser desagradável com convidados, que no fundo não o foram, mas acabaram por estar ali sempre, ia contra os seus princípios. Convidou-os, continuaram calados, inertes, no meio da sala, a olhar, só. Incomodava-o, saiu!! Fugiu de sua própria casa para não se sentir julgado pelo que, afinal não existia. Voltou, horas mais tarde, os personagens continuavam lá, saiu. Nunca mais voltou, nunca mais foi visto, fugiu da realidade pela imaginação e nunca ninguém percebeu. É o tal risco de quem viaja pela imaginação com bilhete de realidade e é caço pelo cobrador.

2 comentários:

Era uma vez... Um menino muito pequenino, sentado à janela do seu quarto. Dali via um pequeno riacho, umas escadas, daquelas que já não há, ...