“I cannot believe in a God who wants to be praised all the time.”
Sr. Saramago, ao que parece não é o único génio a pensar assim... Admiro-o pelo facto de interrogar aquilo em que ainda muita gente acredita cegamente.
quarta-feira, 21 de outubro de 2009
Riotvan
Up rolled the riot van
And sparked excitement in the boys
But the policemen look annoyed
Perhaps these are ones they should avoid
They got a chase last night from men with truncheon's
dressed in hats
They didn't do that much wrong, still ran away though
for the laugh
"Please just stop talking
Because they won't find us if you do
Oh those silly boys in blue
Well they won't catch me and you"
"Have you been drinking son, you don't look old enough
to me"
"I'm sorry officer is there a certain age you're
supposed to be?... nobody told me"
Up rolled the riot van
And these lads just wind the coppers up
Ask why they don't catch proper crooks
Get their address and their name's took
But they couldn't care less
He got thrown in the riot van
And all the coppers kicked him in
And there was no way he could win
Just had to take it on the chin
Aqui está...
Por aqui fico, no teu olhar
Perco força sem resistir e sem mudar
Por aqui fico
O tempo pára mas logo foge Estás tão perto e tão longe
Se me visses o gesto não chega Não, não chega
Não me vês não me ouves se ao menos sonhassesNao me vês nao me ouves se ao menos sonhasses
Por aqui fico
Na tristeza caminho só
Sem pensar no que aprendi
Por aqui fico
O tempo pára mas logo foge
Estas tao perto e tao longe
Se me ouvisses um grito nao chegaÓh! Não chega
Não me vês não me ouves se ao menos sonhasses Não me vês não me ouves se ao menos sonhasses
(...)
Não me vês nao me ouves se ao menos sonhasses
Não me vês nao me ouves se ao menos sonhasses
Não me vês nao me ouves se ao menos sonhasses
Não me vês nao me ouves se ao menos sonhasses
domingo, 11 de outubro de 2009
Duplo espaço
O Sr. Bentley acredita que cada espaço contém em si outro espaço no qual o seu duplo habita, actua. Crê que os dois espaços se interceptam e contaminam. O Sr. Bentley tem um gato, porém cuida ser possível o duplo ter um cão - com idêntico nome. Se o Sr. Bentley urrasse: "Sam? Sam! Sacana, onde te meteste?!" e lhe aparecesse, cabisbaixo, de rabo entre pernas (jamais o orgulhoso felino se comportaria tão miseravelmente), o cão reconhecendo-o como dono, ele julgaria normal, comum. Estranharia, quiçá, que a tal realidade invisível (alternativa...) não tivesse tocado a sua antes. Para ele a troca é (seria) prova incontestável da ordem do Universo. Só um Universo trocado estaria composto.
O Sr. Bentley põe o totoloto todas as semanas. Tem uma chave que nunca modifica. Ele acredita na natureza sagrada dos números porque, de acordo com o colega de trabalho, há muito deixou de ter fé na natureza sagrada dos homens. Quando matou a mulher por ela se ter esquecido de pôr o totoloto na semana em que o primeiro prémio saiu à chave do Sr. Bentley, a descrença nos homens que o colega adivinhara apenas se confirmou. Melhor: materializou.
E contudo o Sr. Bentley supunha ser o duplo o verdadeiro assassino (não obstante a cristalizada lembrança das suas mãos fixas no pescoço da esposa). Devido à esdrúxula teoria de espaços no interior de espaços, não se surpreende ao ser preso e acusado do crime que, para si, foi de facto cometido pelo duplo invisível.
Só o colega fez a acertada ilação: a Sra. Bentley tinha posto o totoloto atempadamente. E guardara o recibo. A Sra. Bentley planeava safar-se com o dinheiro - e o amante.
- E a massa...?
- Alguém levantou o cheque.
- Mas quem?
O colega ergueu os ombros e fez uma festa a Sam.
Junho'02
(Ágata Ramos)
Arte é isto
"A crença de que em Arte a Forma é tudo, enquanto que a
Emoção reduzida ao seu esqueleto psíquico é uma simples
relação abstracta, que ocupa um lugar secundário na obra de
arte - tem predominado desde sempre na Crítica com raras
excepçôes.
O que distingue a Arte das outras manifestações da vida
mental é muito essencialmente a Forma - diz-se.
O Ritmo é tudo. Acessível unicamente a algumas cria-
turas de eleição, o Ritmo será inevitavelmente profanado
pela grosseria da trivialidade bárbara: é a teoria da Arte pela
Arte, impelida às suas últimas consequências pelos flauber-
tianos. E assim era que o autor de Madame Bovary procla-
mava que escrevia tão-somente para doze criaturas.
E assim era que do mesmo modo Renan defendia que só
alguns espíritos de élite tinham o direito de negar Deus, que
devia ser imposto às multidões ignaras. Sempre e funda-
mentalmente um católico, este livre-pensador!
Felizmente os aristocratas intelectuais sumiram-se na grande
convulsão de Justiça que sacode as sociedades de hoje.
A teoria da Arte pela Arte só a defendem hoje uns pobres
impotentes que esfregam a sua incapacidade pelas esquinas
dos botequins.
Mas a crença de que a Forma em Arte é essencial ainda
surge de onde a onde, como uma superstição mal apagada.
E assim era que Ruskin, ao reclamar arte simples, ingénua na
forma, para ser apercebida da mentalidade popular, impli-
citamente confessava que a Arte, tal como até então ela era
expressa, escapava à afectividade de quase todos.
Na realidade o que escapava ao senso estético das mul-
tidões não era precisamente a Forma, mas sim a essência da
obra de arte, o esqueleto da Emoção enfim.
E tanto assim era que a teoria de Ruskin foi realizada, sem
frutificar: fez-se uma reversão à estilização primitiva: o pré-
-rafaelismo desfraldou as suas bandeiras; mas as massas con-
tinuaram na indiferença de até ali, inertes, inestésicas.
É que, se os sentimentos estilizados numa obra de arte
estão fora da esfera afectiva do público, este, claramente, não
percebe, não sente, não vibra em harmonia com o artista, e a
obra de arte é-lhe indiferente em absoluto.
Já em alguma parte tive ocasião de afirmar que, a meu
ver, o grande problema da educação estética, moral, social,
científica, consistia em fazer ascender as multidões às culmi-
nâncias da vida psíquica e não em apear a Arte do altissimo
plinto onde o homem a entronou.
Isso sim, que é evolucionar; o contrário seria regressar,
Não há uma Ciência popular, nem uma Arte popular por
assim dizer; melhor: a capacidade científica e estética do povo
é reduzida, embrionária, amorfa ainda; o cérebro do povo só
armazena ideias rudimentares, a sua alma só sente as emoções
mais elementares. Exponham a um cavador o melhor da
filosofia spenceriana, tentem fazer-lhe compreender uma lei
de Newton ou Berthelot, declamem-lhe Shakespeare, Goethe,
Ibsen, ou qualquer dos poemas de Antero - e verão o homem
bocejar de desprezo. É ver o ar de desdém com que os natu-
ralistas são apodados de doidos nas suas excursões cientí-
ficas pelas aldeias.
Poderíamos inferir de aqui que, visto a Arte não ter uma
imediata utilidade para as maiorias, está por esse facto conde-
nada? Não; de modo nenhum.
Isso seria condenar a Ciência também, pelo menos a ciên-
cia pura. E o que é preciso condenar é o maquinismo social,
que engendra e perpetua um tal desequilíbrio, uma desar-
monia que está gritando contra todas as leis da Natureza.
É por isso que John Ruskin, esse sonhador que será eter-
namente amado, se enganava quando, numa febre de justiça,
num ímpeto de revolta contra a pirâmide esmagadora,
sofrendo do sofrimento dos desgraçados, pedia uma Arte
para o Povo; o que ele devia reclamar, o grande idealista, era
um Povo para a Arte.
A própria história da Arte vem pugnar por este princí-
pio: o teatro grego, a escultura grega, a Arte helénica em
suma, que hoje apenas é compreendida por uma minoria
desesperadora - foi uma Arte nacional, uma Arte que os
Helenos, desde o mais humilde camponês ao mais requintado
dos estetas, compreendiam, sentiam e amavam.
Parafraseando a expressão de M. Duval, a Arte era uma
língua materna, era como o ar puro do céu da pátria, ar que
todos, mesmamente sôfregos, respiravam, na mesma avidez
de luz, na mesma ânsia de vida."
Emoção reduzida ao seu esqueleto psíquico é uma simples
relação abstracta, que ocupa um lugar secundário na obra de
arte - tem predominado desde sempre na Crítica com raras
excepçôes.
O que distingue a Arte das outras manifestações da vida
mental é muito essencialmente a Forma - diz-se.
O Ritmo é tudo. Acessível unicamente a algumas cria-
turas de eleição, o Ritmo será inevitavelmente profanado
pela grosseria da trivialidade bárbara: é a teoria da Arte pela
Arte, impelida às suas últimas consequências pelos flauber-
tianos. E assim era que o autor de Madame Bovary procla-
mava que escrevia tão-somente para doze criaturas.
E assim era que do mesmo modo Renan defendia que só
alguns espíritos de élite tinham o direito de negar Deus, que
devia ser imposto às multidões ignaras. Sempre e funda-
mentalmente um católico, este livre-pensador!
Felizmente os aristocratas intelectuais sumiram-se na grande
convulsão de Justiça que sacode as sociedades de hoje.
A teoria da Arte pela Arte só a defendem hoje uns pobres
impotentes que esfregam a sua incapacidade pelas esquinas
dos botequins.
Mas a crença de que a Forma em Arte é essencial ainda
surge de onde a onde, como uma superstição mal apagada.
E assim era que Ruskin, ao reclamar arte simples, ingénua na
forma, para ser apercebida da mentalidade popular, impli-
citamente confessava que a Arte, tal como até então ela era
expressa, escapava à afectividade de quase todos.
Na realidade o que escapava ao senso estético das mul-
tidões não era precisamente a Forma, mas sim a essência da
obra de arte, o esqueleto da Emoção enfim.
E tanto assim era que a teoria de Ruskin foi realizada, sem
frutificar: fez-se uma reversão à estilização primitiva: o pré-
-rafaelismo desfraldou as suas bandeiras; mas as massas con-
tinuaram na indiferença de até ali, inertes, inestésicas.
É que, se os sentimentos estilizados numa obra de arte
estão fora da esfera afectiva do público, este, claramente, não
percebe, não sente, não vibra em harmonia com o artista, e a
obra de arte é-lhe indiferente em absoluto.
Já em alguma parte tive ocasião de afirmar que, a meu
ver, o grande problema da educação estética, moral, social,
científica, consistia em fazer ascender as multidões às culmi-
nâncias da vida psíquica e não em apear a Arte do altissimo
plinto onde o homem a entronou.
Isso sim, que é evolucionar; o contrário seria regressar,
Não há uma Ciência popular, nem uma Arte popular por
assim dizer; melhor: a capacidade científica e estética do povo
é reduzida, embrionária, amorfa ainda; o cérebro do povo só
armazena ideias rudimentares, a sua alma só sente as emoções
mais elementares. Exponham a um cavador o melhor da
filosofia spenceriana, tentem fazer-lhe compreender uma lei
de Newton ou Berthelot, declamem-lhe Shakespeare, Goethe,
Ibsen, ou qualquer dos poemas de Antero - e verão o homem
bocejar de desprezo. É ver o ar de desdém com que os natu-
ralistas são apodados de doidos nas suas excursões cientí-
ficas pelas aldeias.
Poderíamos inferir de aqui que, visto a Arte não ter uma
imediata utilidade para as maiorias, está por esse facto conde-
nada? Não; de modo nenhum.
Isso seria condenar a Ciência também, pelo menos a ciên-
cia pura. E o que é preciso condenar é o maquinismo social,
que engendra e perpetua um tal desequilíbrio, uma desar-
monia que está gritando contra todas as leis da Natureza.
É por isso que John Ruskin, esse sonhador que será eter-
namente amado, se enganava quando, numa febre de justiça,
num ímpeto de revolta contra a pirâmide esmagadora,
sofrendo do sofrimento dos desgraçados, pedia uma Arte
para o Povo; o que ele devia reclamar, o grande idealista, era
um Povo para a Arte.
A própria história da Arte vem pugnar por este princí-
pio: o teatro grego, a escultura grega, a Arte helénica em
suma, que hoje apenas é compreendida por uma minoria
desesperadora - foi uma Arte nacional, uma Arte que os
Helenos, desde o mais humilde camponês ao mais requintado
dos estetas, compreendiam, sentiam e amavam.
Parafraseando a expressão de M. Duval, a Arte era uma
língua materna, era como o ar puro do céu da pátria, ar que
todos, mesmamente sôfregos, respiravam, na mesma avidez
de luz, na mesma ânsia de vida."
A carta da paixão
Esta mão que escreve a ardente melancolia
da idade
é a mesma que se move entre as nascenças da cabeça,
que à imagem do mundo aberta de têmpora
a têmpora
ateia a sumptuosidade do coração. A demência lavra
a sua queimadura desde os seus recessos negros
onde se formam
as estações até ao cimo,
nas sedas que se escoam com a largura
fluvial
da luz e a espuma, ou da noite e as nebulosas
e o silêncio todo branco.
Os dedos.
A montanha desloca-se sobre o coração que se alumia: a língua
alumia-se: O mel escurece dentro da veia
jugular talhando
a garganta. Nesta mão que escreve afunda-se
a lua, e de alto a baixo, em tuas grutas
obscuras, essa lua
tece as ramas de um sangue mais salgado
e profundo. E o marfim amadurece na terra
como uma constelação. O dia leva-o, a noite
traz para junto da cabeça: essa raiz de osso
vivo. A idade que escrevo
escreve-se
num braço fincado em ti, uma veia
dentro
da tua árvore. Ou um filão ardido de ponto a ponta
da figura cavada
no espelho. Ou ainda a fenda
na fronte por onde começa a estrela animal.
Queima-te a espaçosa
desarrumação das imagens. E trabalha em ti
o suspiro do sangue curvo, um alimento
violento cheio
da luz entrançada na terra. As mãos carregam a força
desde a raiz
dos braços a força
manobra os dedos ao escrever da idade, uma labareda
fechada, a límpida
ferida que me atravessa desde essa tua leveza
sombria como uma dança até
ao poder com que te toco. A mudança. Nenhuma
estação é lenta quando te acrescentas na desordem, nenhum
astro
é tao feroz agarrando toda a cama. Os poros
do teu vestido.
As palavras que escrevo correndo
entre a limalha. A tua boca como um buraco luminoso,
arterial.
E o grande lugar anatómico em que pulsas como um lençol lavrado.
A paixão é voraz, o silêncio
alimenta-se
fixamente de mel envenenado. E eu escrevo-te
toda
no cometa que te envolve as ancas como um beijo.
Os dias côncavos, os quartos alagados, as noites que crescem
nos quartos.
É de ouro a paisagem que nasce: eu torço-a
entre os braços. E há roupas vivas, o imóvel
relâmpago das frutas. O incêndio atrás das noites corta
pelo meio
o abraço da nossa morte. Os fulcros das caras
um pouco loucas
engolfadas, entre as mãos sumptuosas.
A doçura mata.
A luz salta às golfadas.
A terra é alta.
Tu és o nó de sangue que me sufoca.
Dormes na minha insónia como o aroma entre os tendões
da madeira fria. És uma faca cravada na minha
vida secreta. E como estrelas
duplas
consanguíneas, luzimos de um para o outro
nas trevas.
Herberto Helder
As cartas escrevem-se pelas paredes
Deixei que os vizinhos saíssem primeiro,
antes de toda a gente, como se eles não fossem
o que são, quando eu durmo.
Uma coisa é vergar uma barra de aço,
outra é acordar o que não dorme.
Como dois olhos inúteis, assim se
viam as minhas mãos, quando a casa era
estéril e a música não tocava.
Em todos os corredores, uma marca
de fogo nas paredes, ardendo como água,
calcinando as memórias que estendi
por elas, de alto a baixo
um papel de parede longínquo e
absorto de mim próprio.
Ensinei-me a ler para conseguir
que as tuas cartas fizessem sentido,
quando mas mandavas:
estendia à luz aquele papel azul,
com enfeites de uma só cor espalhados
aleatoriamente pela folha - no meu tempo
não entendia nada
agora quando olho para a folha
consigo ver-te.
E mesmo assim parece que continuas sem
me responder. Os dias semeam-se entre as
minhas palavras. Não acaricio o rosto já, com medo
do que vem depois.
Parece que as mãos se tornaram pedaços de
ferro, frias, sólidas - já não se desfazem
enquanto te escrevo a carta:
Ontem foi um dia tarde demais. Ontem, as crianças
jogavam no parque.
Hoje, se retornar, não estarão mais lá. Saíram
sem aviso, foram-se embora, cansaram-se de tanto
olhar um pedaço vazio de mundo, onde velhos
se contorcem para fingir que ouvem, enquanto se
deleitam com retratos a carvão e palavras
sem sentido.
Tudo lhes causa transtorno, nos dias que correm.
Outro dia, foi um jovem que se perdeu. Pegou nas
coisas que tinha, zarpou mundo fora como se ele
ainda existisse - sem medo.
Mas outros dias há muitos. Jovens que partem
há-os todos os dias, nós é que nunca os contámos.
E eu nunca parto. Fico sempre aqui, de mochila às costas,
sobretudo na mão, o livro na outra, e uma carta
na algibeira, de tinta já gasta e envelope
um pouco encardido.
Por isso mesmo, quando me preparo para partir,
sento-me - como se estivesse a curar um cansaço que
ainda não me tomou.
Como se as minhas mãos já tivessem escrito milhentas
páginas de coisas sem sentido, de textos sem
morada ou sem remetente definido - enfim, coisas.
Coisas como as praias. Praias como coisas.
Textos como poemas. Poemas como não-textos.
E barras de aço sem sentido. Daquelas que quebram
ao mínimo toque, mesmo que seja uma carícia. Mesmo
que as nossas mãos se unam e encenem um gesto
meigo e lento - como a nossa face a olhar o mundo -
como o mundo a perder-se lentamente pelas pálpebras
que já não se fecham.
À noite é quando tudo se junta dentro de nós,
e se estende pelo chão. Aí, cria-se ininterruptamente
uma vontade de varrer o soalho para que nenhuma
outra cara grite mais, como se as paredes tivessem
vida
e nós não.
As cartas escrevem-se pelas paredes - é esta a verdade
que o mundo segura. E as chamas de isqueiro todos
os cigarros todos os acidentes todas as nascenças
mortes descalabros guerras balas tudo isto
tem um sentido
mas o dos textos, esse, ainda o procuro.
Por isso é que escrevo cartas, ainda que só hoje
tenha aprendido a ler as tuas.
de: Sérgio Xerepe
O homem de veludo
"Um homem de veludo
atravessa a estrada.
Com ele leva a leveza do ser,
sustenta-a, com dificuldade.
Pára, sucedendo-lhe a brandura,
o costume de parar,
seguido do ímpeto de continuar.
Sorri ao passeio,
ao calcário, ao ornamento.
O homem de veludo necessita de se encontrar.
Regressa à estrada,
deita-se cuidadosamente numa faixa branca,
criteriosamente escolhida para descansar.
O homem de veludo quer descansar.
A travessia é amorfa, demorada, silente.
Ao deitar-se cruza os braços, fecha os olhos,
e sente o cheiro das madeiras.
O homem de veludo é agora tolhido de movimento,
caem-lhe lágrimas familiares no rosto,
e não pode fazer nada"
atravessa a estrada.
Com ele leva a leveza do ser,
sustenta-a, com dificuldade.
Pára, sucedendo-lhe a brandura,
o costume de parar,
seguido do ímpeto de continuar.
Sorri ao passeio,
ao calcário, ao ornamento.
O homem de veludo necessita de se encontrar.
Regressa à estrada,
deita-se cuidadosamente numa faixa branca,
criteriosamente escolhida para descansar.
O homem de veludo quer descansar.
A travessia é amorfa, demorada, silente.
Ao deitar-se cruza os braços, fecha os olhos,
e sente o cheiro das madeiras.
O homem de veludo é agora tolhido de movimento,
caem-lhe lágrimas familiares no rosto,
e não pode fazer nada"
Silente grito
Noites que descansavam nas minhas palavras
"Haviam noites que descansavam nas minhas palavras
enquanto eu dormia. Ouviam-me a vontade de
acordar pouco. Seguravam-me as pálpebras e ,
hoje sei que era para meu bem. Acho detestável
ter que acordar todos os dias , pouco que seja.
Continua a apetecer-me gritar nas paredes
que não acordo , mas cada vez mais
menos sei o que dizer: E da noite se fez dia,
dos dias nasceu a noite.
Tal como com o ovo e a galinha também a mim
se coloca frequentemente uma dúvida ,
em noites que descansavam nas minhas palavras ,
e essa dúvida era a de acordar , pouco que fosse."
enquanto eu dormia. Ouviam-me a vontade de
acordar pouco. Seguravam-me as pálpebras e ,
hoje sei que era para meu bem. Acho detestável
ter que acordar todos os dias , pouco que seja.
Continua a apetecer-me gritar nas paredes
que não acordo , mas cada vez mais
menos sei o que dizer: E da noite se fez dia,
dos dias nasceu a noite.
Tal como com o ovo e a galinha também a mim
se coloca frequentemente uma dúvida ,
em noites que descansavam nas minhas palavras ,
e essa dúvida era a de acordar , pouco que fosse."
sábado, 10 de outubro de 2009
Tu...
Deixarei os jardins a brilhar com seus olhos
detidos: hei-de partir quando as flores chegarem
à sua imagem. Este verão concentrado
em cada espelho. O próprio
movimento o entenebrece. Mas chamejam os lábios
dos animais. Deixarei as constelações panorâmicas destes dias
internos.
Vou morrer assim, arfando
entre o mar fotográfico
e côncavo
e as paredes com as pérolas afundadas. E a lua desencadeia nas grutas
o sangue que se agrava.
Está cheio de candeias, o verão de onde se parte,
ígneo nessa criança
contemplada. Eu abandono estes jardins
ferozes, o génio
que soprou nos estúdios cavados. É a cólera que me leva
aos precipícios de agosto, e a mansidão
traz-me às janelas. São únicas as colinas como o ar
palpitante fechado num espelho. É a estação dos planetas.
Cada dia é um abismo atómico.
E o leite faz-se tenro durante
os eclipses. Bate em mim cada pancada do pedreiro
que talha no calcário a rosa congenital.
A carne, asfixiam-na os astros profundos nos casulos.
O verão é de azulejo.
É em nós que se encurva o nervo do arco
contra a flecha. Deus ataca-me
na candura. Fica, fria,
esta rede de jardins diante dos incêndios. E uma criança
dá a volta à noite, acesa completamente
pelas mãos.~
By: Herberto Helder
detidos: hei-de partir quando as flores chegarem
à sua imagem. Este verão concentrado
em cada espelho. O próprio
movimento o entenebrece. Mas chamejam os lábios
dos animais. Deixarei as constelações panorâmicas destes dias
internos.
Vou morrer assim, arfando
entre o mar fotográfico
e côncavo
e as paredes com as pérolas afundadas. E a lua desencadeia nas grutas
o sangue que se agrava.
Está cheio de candeias, o verão de onde se parte,
ígneo nessa criança
contemplada. Eu abandono estes jardins
ferozes, o génio
que soprou nos estúdios cavados. É a cólera que me leva
aos precipícios de agosto, e a mansidão
traz-me às janelas. São únicas as colinas como o ar
palpitante fechado num espelho. É a estação dos planetas.
Cada dia é um abismo atómico.
E o leite faz-se tenro durante
os eclipses. Bate em mim cada pancada do pedreiro
que talha no calcário a rosa congenital.
A carne, asfixiam-na os astros profundos nos casulos.
O verão é de azulejo.
É em nós que se encurva o nervo do arco
contra a flecha. Deus ataca-me
na candura. Fica, fria,
esta rede de jardins diante dos incêndios. E uma criança
dá a volta à noite, acesa completamente
pelas mãos.~
By: Herberto Helder
Estranho amor
"Dava pelo nome muito estrangeiro de Amor, era preciso chamá-lo
sem voz - difundia uma colorida multiplicação de mãos, e aparecia
depois todo nu escutando-se a si mesmo, e fazia de estátua durante um
parque inteiro, de repente voltava-se e acontecera um crime, os jornais
diziam, ele vinha em estado completo de fotografia embriagada, desco-
bria-se sangue, a vítima caminhava com uma pêra na mão, a boca estava
impressa na doçura intransponível da pêra, e depois já se não sabia o
que fazer, ele era belo muito, daquela espécie de beleza repentina e
urgente, inspirava a mais terrível acção do louvor, mas vinha comer às
nossas mãos, e bastava que tivéssemos muito silêncio para isso, e então
os dias cruzavam-se uns pelos outros e no meio habitava uma montanha
intensa, e mais tarde às noites trocavam-se e no meio o que existia agora
era uma plantação de espelhos, o Amor aparecia e desaparecia em todos
eles, e tínhamos de ficar imóveis e sem compreender, porque ele era
uma criança assassina e andava pela terra com as suas camisas brancas
abertas, as suas camisas negras e vermelhas todas desabotoadas."
sem voz - difundia uma colorida multiplicação de mãos, e aparecia
depois todo nu escutando-se a si mesmo, e fazia de estátua durante um
parque inteiro, de repente voltava-se e acontecera um crime, os jornais
diziam, ele vinha em estado completo de fotografia embriagada, desco-
bria-se sangue, a vítima caminhava com uma pêra na mão, a boca estava
impressa na doçura intransponível da pêra, e depois já se não sabia o
que fazer, ele era belo muito, daquela espécie de beleza repentina e
urgente, inspirava a mais terrível acção do louvor, mas vinha comer às
nossas mãos, e bastava que tivéssemos muito silêncio para isso, e então
os dias cruzavam-se uns pelos outros e no meio habitava uma montanha
intensa, e mais tarde às noites trocavam-se e no meio o que existia agora
era uma plantação de espelhos, o Amor aparecia e desaparecia em todos
eles, e tínhamos de ficar imóveis e sem compreender, porque ele era
uma criança assassina e andava pela terra com as suas camisas brancas
abertas, as suas camisas negras e vermelhas todas desabotoadas."
domingo, 4 de outubro de 2009
Cardigans
I don't know what you're looking for
you haven't found it baby, that's for sure
You rip me up and spread me all around
in the dust of the deed of time
And this is not a case of lust, you see
it's not a matter of you versus of me
It's fine the way you want me on your own
but in the end it's always me alone
And I'm losing my favourite game
you're losing your mind again
I'm losing my babylosing my favourite game
I only know what I've been working for
another you so I could love you more
I really thought that I could take you there
but my experiment is not getting us anywhere
I had a vision I could turn you right
a stupid mission and a lethal fight
I should have seen it when my hope was new
my heart is black and my body is blue
And I'm losing my favourite game
you're losing your mind again
I'm losing my favourite game
I've tried but you're still the same
I'm losing my baby
you're losing a saviour and a saint
Vertigem
Envelhecer é isso
"Uma pessoa envelhece lentamente: primeiro envelhece o seu gosto pela vida e pelas pessoas, sabes, pouco a pouco torna-se tudo tão real, conhece o sginificado das coisas, tudo se repete tão terrível e fastidiosamente. Isso também é velhice. Quando já sabe que um corpo não é mais que um corpo. E um homem, coitado, não é mais que um homem, um ser mortal, faça o que fizer... Depois envelhece o seu corpo; nem tudo ao mesmo tempo, não, primeiro envelhecem os olhos, ou as pernas, o estômago, ou o coração. Uma pessoa envelhece assim, por partes. A seguir, de repente, começa a envelhecer a alma: porque por mais enfraquecido e decrépito que seja o corpo, a alma ainda está repleta de desejos e de recordações, busca e deleita-se, deseja o prazer. E quando acaba esse desejo de prazer, nada mais resta que as recordações, ou a vaidade; e então é que se envelhece de verdade, fatal e definitivamente. Um dia acordas e esfregas os olhos: já não sabes porque acordaste. O que o dia te traz, conheces tu com exactidão: a Primavera ou o Inverno, os cenários habituais, o tempo, a ordem da vida. Não pode acontecer nada de inesperado: não te surpreeende nem o imprevisto, nem o invulgar ou o horrível, porque conheces todas as probabilidades, tens tudo calculado, já não esperas nada, nem o bem, nem o mal... e isso é precisamente a velhice."
Sándor Márai, in 'As Velas Ardem Até ao Fim'
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Era uma vez... Um menino muito pequenino, sentado à janela do seu quarto. Dali via um pequeno riacho, umas escadas, daquelas que já não há, ...
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Às vezes o simples entender do andar do tempo e do desenrolar do seu processo fazia-lhe impressão ao olhar para os que lhe eram de perto......
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Mais uma manhã de chuva, daquelas manhãs que dá vontade de não deixar ir embora porque nos embala num sono em que se fica acordado e se par...